["Era um daqueles dias cinzentos, em que o sol não apareceu; o vento parecia ter amanhecido com sono; os pássaros não cantaram como sempre faziam; o jardim estava sem cor e sem cheiro; os beija-flores não aparecem.
Lá estava ele, o escritor, sentado em sua mesa repleta de folhas antigas, rascunhos amassados e pilhas de livros abertos, numa tentativa de receber a ilustre visita da inspiração e assim, poder escrever uma linda poesia, como sempre fizera.
Ele olhava para os lados, pegava sua caneta, na esperança que algo pudesse tocar sua alma, mas nada parecia ser digno de ser escrito. Sua caneta que outrora alçava lindos voos na imensidão da escrita, naquele dia parecia um pássaro que desaprendeu a voar.
Esse bloqueio já durava semanas; ele tentou de tudo: passeios pelo jardim, ouvir belas músicas, assistir o pôr do sol, tocar em seu violão, ler poesias ( coisas que antes lhe eram inspiradoras). Mas, cada uma dessas tentativas o levava a sensação de vazio, era como se as palavras estivessem de mal com ele. Cada tentativa era uma frustração para aquele sensível escritor.
O tempo foi se passando, e o escritor se questionava se algum dia voltaria a escrever como antes. Ele lembrou de muitas poesias que fez com leveza e naturalidade que parecia magia. As palavras, outrora vinham espontaneamente, não precisava de esforços. Era só pegar a caneta e em questão de segundos compunha uma belíssima poesia. Mas, agora o silêncio imperava naquela alma solitária.
Ele pensou em escrever sobre o amor, mas achou algo tão clichê que desistiu; então decidiu falar sobre a felicidade, contudo, olhou ao seu redor, respirou fundo, fechou os olhos e não encontrou palavras para iniciar.
Já desanimado e triste, o escritor teve uma ideia: "e se eu escrevesse sobre esse vazio? Sobre esse silêncio e desânimo?" Ele hesitou, achando algo banal e sem nexo, mas por fim, pegou sua velha caneta e começou a rascunhar umas frases sobre o deserto das ideias, e sobre o peso de não encontrar palavras para poetizar. Assim, a cada linha que ele escrevia, sentia-se mais leve, como se aos poucos a doce inspiração fosse chegando, devagarinho e timidamente...
O escritor descobriu naquele dia silencioso e atípico, que até o vazio e a falta de inspiração tem uma história a ser escrita; que a ausência das palavras e o desânimo, são temas carregados de significados. Descobriu também que escrever não é só falar do belo, daquilo que encanta, mas, também dar voz aquilo que se oculta, ao vazio, a solidão e solitude e porque não a falta de inspiração.
Ao final daquele dia, o escritor estava sorrindo, não por ter conseguido escrever algo esplêndido, inédito, encantador, mas, sobretudo, por ter percebido que mesmo quando se falta as grandes ideias, mesmo quando a inspiração não for a fiel companhia, o importante é não parar de tentar, e encontrar mesmo em um dia cinzento um sol radiante, ou porque não um belo arco-íris?
E, naquele instante, uma nova página estava sendo escrita na história daquele escritor, que aprendeu a lidar com os dias acinzentados."]_/ (Quitéria Abreu)
Código do texto: T8192452